terça-feira, 12 de junho de 2012

CÚPULA DOS POVOS - Tenda Terreiros Brasil I Semana de Cultura, Cidadania e Ecologia dos Povos Tradicionais de Terreiros Por uma Cultura Viva sem Fronteiras


CÚPULA DOS POVOS - Tenda Terreiros Brasil
I Semana de Cultura, Cidadania e Ecologia dos Povos Tradicionais de Terreiros
Por uma Cultura Viva sem Fronteiras

Apresentação

Assim como a terra, a água, o ar, o sol, a lua e o universo são as fontes elementares de toda a vida, a cultura é fonte de encantamento, contemplação e respeito a  toda a energia que brota nos mais diversos níveis e esferas das experiências, dos aprendizados e das reinvenções vivenciadas em comunidade.
A Cúpula dos Povos tem por objetivo alertar o planeta sobre os riscos sinalizados no processo da Rio+20, questionando os limites de compreensão dos líderes políticos e a cegueira do sistema capitalista acerca das crises que precisamos enfrentar neste início de século XXI, bem mais profundas do que a chamada “economia verde” seja capaz de resolver.
Nesse contexto, comunidades tradicionais, povos de terreiros, povos indígenas, griôs, quilombolas, pontos de cultura, agentes e ativistas culturais se organizam para a realização da I Semana de Cultura, Cidadania e Ecologia dos Povos Tradicionais de Terreiro na Cúpula dos Povos – Por uma Cultura Viva sem Fronteiras, espaço autogestionário que abrigará uma série de atividades, a exemplo da I Conferência Livre Internacional – Campanha Continental Cultura Viva Comunitaria. Será também espaço de convergência e aglutinação de um amplo Movimento Social da Cultura que se organiza hoje através de diversas redes culturais nacionais e internacionais.

Compreendendo a importância da cultura para pensarmos um novo modelo de envolvimento sustentável de maneira profunda, estrutural e orgânica, o encontro será um espaço aberto para vivenciar, visibilizar, celebrar, apresentar caminhos, trocar saberes, fazeres e tecnologias, intensificar diálogos e propor soluções simples, viáveis e eficientes – muitas das quais são praticadas há séculos pelas comunidades tradicionais – oferecendo assim, conhecimentos e práticas reais para a construção de uma sociedade global baseada na justiça social e no equilíbrio ambiental.


PROGRAMAÇÃO


15 de junho – sexta

Reunião Mundial dos Povos de Terreiro 

12:00H - Recepção
14:00hs – Roda de Cultura Tradicional dos Povos de Terreiros e Povos das Florestas
14:30hs – Ecologia e Cultura dos Povos Tradicionais de Terreiros
Roda de Convivência 
Aderbal Ashogun, Mãe Beata de Yemonjá, Mãe Torody, Mãe Lúcia de Oyá, Pai Zezito, Ekede Cinha, Mãe Meninazinha, Mametu Mabegy, Gilberto Leal, Pai Marcos, Chuchuca, Ekede Tia Lúcia, Carlos MinC e Márcia Rollemberg.

15:00hs – 17:30 – Oficina – Práticas Religiosas em Áreas Protegidas
Carta do Rio (Proposta de documento a ser tirado no final da semana)
Oficineiros
Laraf Moutinho, Frederico Loureiro, Francisco Carrera, Denise Alves.

18:00hs – Programação de Cultura
Coral Iyún Asé Orin – Lucinha Pessoa
Grupo de Dança Ogan Caio
Grupo de Capoeira Angola- Moicanos                    
TAMBORZADA - Companhia Folclórica do Rio-UFRJ

16 de junho – sábado

9:30hs – Roda de acolhimento de cultura tradicional dos povos de terreiros

10:00hs – Ecologia dos povos tradicionais de terreiro e Saúde
Roda de convivência 
Baba Diba, Mara Zélia, José Marmo, Sueli Conceição, Mametu Nangetu

11:30hs – Oficina Racismo Ambiental, Justiça Ambiental e Direito Ambiental
Robert Boullard, Francisco Carrera, Sérgio Ricardo, Diosmar Marcelino.

13:00hs – Almoço

14:00hs- Oficina INSTRUMENTOS RECICLADOS – INFANTIL RJ

15:00hs – Patrimônio de Matriz Africana / Identidade e Território
Oluségun Akinruli, Pai Paulo Pereira, Desire Tozzi, Américo Córdula, Aureanice Corrêa, Jô Brandão. Lideranças e mestres de comunidades tradicionais.

17:00hs- Os filhos de Odé, protetores da natureza- grupo de dança

18:00hs – Programação de Cultura 
Teatro “O dia que a Mãe d’Água chorou” - Ydá/Carranca
Grupo de Canto e Dança dos orixas – Dolores/CETRAB
Jongo Congola- Bartira
RODA DE SAMBA RJ

17 de junho - Domingo

9:30hs – Roda de Cultura Tradicional dos Povos de Terreiros e Povos da Florestas

10:00hs – Cultura de Matriz Africana uma Abordagem Afro-cêntrica/ Eco-afrocêntrismo
Professora Elisa Larkin - IPEAFRO.

10:00hs - Encontro da Red Latina Americana de Teatro Comunitário no Centro de Teatro do Oprimido

11:00hs – Juventude de terreiros uma conversa intergeracional 
Bartira Penha, Pai Rondinele, Milso Omiletó, Noan Moreira, Kitanji, Fábio Negão 

13:00hs – Almoço

14:00hs –Soberania Alimentar Erradicação da Pobreza/Agroecologia
Da Produção ao Consumo Sustentavél 
Raymundo Komanangy, Marcelo Monteiro, Kota Mulanji, Fetraf e Contag

15:00hs – Concentração Jongo Congola – Roda de capoeira – Gingando pela cultura
Cortejo dos povos tradicionais por um estado Laico / Interferência Urbana - Fumacê do Descarrego com Alexandre Vogler.

15:00hs - Ensaio da Marcha das Culturas do dia 20/06 - Local: Centro de Teatro do Oprimido

17:00hs – Chegada a Tenda Religões por Direitos

18:00hs – Programação de Cultura 
QUILOMBO SP (filme)
RAP – RO

18 de junho - Segunda

9:30hs Roda de Cultura Tradicional dos Povos de Terreiros e povos da Florestas

10:00hs – Roda de Convivência: Cultura Digital e Comunicação
Muniz Sodré, Haroldo Costa, Ricardo Ruiz, TC, Pablo Capilé, Ricardo Poppi , Renato Fabbri, Ivana Bentes, Zezinho Andrade, Dênis Rodrigues, Mãe Beth de Oxum.  
Lideranças e mestres de comunidades de culturas tradicionais 

12h-filme: Mãe Meninazinha da Oxum - Iyalorixá da Sociedade Civil e Religiosa do Ilê Omolu Oxum


14h – ABERTURA:  Encontro  Internacional Cultura Viva /  Pontos de Cultura Sem Fronteiras
Conferência Livre Internacional Cultura Viva
Rodas de dialogo, facilitada por articuladores da  cultura viva nos mais diversos movimentos diversos movimentos culturais nacionais e internacionais.
Artistas, ativistas, educadores, mestres e aprendizes, dialogando sobre políticas culturais e cultura politica, no  Brasil, na America Latina e no mundo 

Convidados e provocadores
Celio Turino,  Eduardo Balán, Davy Alexandrisky, Alexandre Santini, Bárbara Szaniecki Patricia  Ferrraz, Pai Lula Dantas, Aderbal Ashogun, Leo Br, Marcelo das Histórias, José Maria Reis (Zehma), Gilson Máximo, Marjorie Botelho, Andrea Freire, Marcus Franchi, Geo Britto, Lucimar Weil, Marly Cuesta, Fabio Kossmann, Fred Maia, Fabio Carvalho,  Maria Aparecida Tozatti, Rosângela Rocha, Marcio Bello, Cris Alves, Giuseppe Cocco, Stela Gianquito, Jorge Blandon, Ivan Nogalez, Adriano Mauriz, Reinaldo Santana, Enrique Espitia, Edwin Cubillos, Camilo Bogotá, Luvel García.

17:00hs –Programação Cultural
"O que tem dentro da semente?" Cia Malasartes
SHOWS MUSICAIS + POESIA com Rosa Helena e Músicos


18h - Percurso Cultura Viva:  Recepção da Caravana Continental por La vida  Manguinhos - Complexo da Maré


19 de junho - terça

I CONFERÊNCIA LIVRE  -  CULTURA VIVA - CAMPANHA CONTINENTAL PELA CULTURA VIVA sem fronteiras

9:30hs Roda de Acolhimento de Cultura Tradicional dos Povos de Terreiros e povos da Florestas

10:00hs – Políticas Públicas para a Cultura – Sistema Nacional de Cultura, Lei Cultura Viva e Lei Griô, Agenda Legislativa,Cultura e Educação, Cultura e sustentabilidade, Cultura e Desenvolvimento

Marcia Rollemberg - Secretária de Cidadania Cultural do MinC
Jandira Feghali - Deputada Federal e Presidente da Frente Parlamentar de Cultura do Congresso Nacional.
Robson Leite - Deputado Estadual e Presidente da Frente Parlamentar de Cultura da ALERJ
Marcio Griô - Presidente do Conselho Estadual de Cultura da Bahia/Coordenador da Ação Griô Nacional
José Maria Reis (Zehma) - Comissão Nacional dos Pontos de Cultura
Camilo Bogotá - Subdiretor de Práticas Culturais - Secretaria Distrital de Cultura, Recreação e Esporte de Bogotá 

Lideranças dos Povos e Comunidades Tradicionais: 
Mãe Meninazinha, (RJ) Chuchuca (BA), Gayacu Deusimar (RJ) Pedro  Miranda (RJ)

13:00hs – Almoço Sexteto vocal Africanamente-Tania Amorim
14:00hs – Roda de Conversa : Campanha Continental Cultura Viva Comunitária 
Atividade autogestionária de encerramento da Campanha Continental Cultura Viva Comunitária, promovida desde abril de 2012 pelas  redes Plataforma Puente Cultura Viva Comiunitária, Rede Latinoamericana de Artes para a Transformação Social, Rede Latinoamericana de Teatro em Comunidade.

Facilitadores: Eduardo Balan (Argentina), Alexandre Santini (Brasil)


Brasil
Célio Turino – Idealizador do Programa Cultura Viva 
Adriano Mauriz  - Pombas Urbanas
Reinaldo Santana - Entrou por uma Porta

Argentina
Stella Gianquito - Teatro Catalina Sur

Bolívia
Ivan Nogales. Teatro Trono-Compa – Coordenador Caravana por la Vida 

Colômbia
Jorge Blandon. Corporación Cultural Nuestra Gente
Enrique Espitia DC Arte- Plataforma Puente Cultura Viva
Edwin Cubillos - Gestor de Cultura Viva Comunitaria - Secretaría Distrital de Cultura, Recreación y Deporte de Bogotá

Cuba
Luvel Garcia - Joven IDEA - Plataforma Puente Cultura Viva Comunitaria 
18:00hs – Batida de Ponto: Interações Estéticas e Sonoras

Treme Terra Esculturas Sonoras (RJ) convida e recebe:
Mãe Beth de Oxum  -   Coco de Umbigada (PE)
Antônio Carlos (TC)-  Casa de Cultura Tainã (SP)
Mestre Lumumba e Aprendizes.Br  - Nina Griô (SP / RJ)
Fabio Carvalho - Manguerê (ES)
Márcio Bello  - Tambores do Tocantins (TO)


20 de junho – quarta


9:30hs Roda de Acolhimento de Cultura Tradicional dos Povos de Terreiros 

10h00 - Mobilização Global
Mãe Beata de Yemanjá e Wole Soiynka Mestre de Cerimonias das Culturas Tradicionais 

14:00h - Marcha Mundial dos Povos (Candelária)

18:00hs – Programação Cultural 
Show Barravento
Grupo Cultural O Som das Comunidades : Entra na Roda.

21 de junho - quinta

09:30hs – Roda de acolhimento Cultura Tradicional dos Povos de Terreiros e povos da Florestas


10h – Dinamicas Glocais –   Cultura, Cidade, território e modelos de desenvolvimento

Camilo Bogotá - subdirector de Prácticas Culturales - Secretaría Distrital de Cultura, Recreación y Deporte de Bogotá 
Edwin Cubillos - Gestor de Cultura Viva Comunitaria - Secretaría Distrital de Cultura, Recreación y Deporte de Bogotá
Hamilton Faria - Instituto Pólis (SP)

Atílio Alencar - Casa FDE PoA

12:00h - Intevenção teatral: Centro de Teatro do Oprimido: Direito à Moradia 

12:30h- Oficina Percussão da Maré

15:00h - Roda de Conversa - Artes Públicas e Direito à Cidade
Amir Hadad - Teatrólogo e Diretor do Grupo  Tá Na Rua
Reimont Ottoni - Vereador e Presidente da Frente Parlamentar de Cultura da Cidade do Rio de Janeiro 
Giuseppe Cocco - Universidade Nômade/ UFRJ
Zeca Ligiéro- NEPAA/ UNIRIO

Programação Artística: 
18:00 - TÁ NA RUA: " Santo Antônio de Lisboa e a Sereia do Mar"
20:30 - Up with people

22 de junho – sexta
Kao, Xango!

09:30hs - Roda de acolhimento Cultura Tradicional dos Povos de Terreiros e povos da Florestas
10 a 12:00hs -Dança Palco Pequeno> Iara Cassano
13:00hs – Almoço
15:00hs – Assembleia Cultural dos Povos – Direitos Culturais - Cultura como Bem Comum 

23 de junho – sábado

14:00hs – Reunião da Rede Nacional de Cultura Ambiental Afro-Brasileira.
Encaminhamentos, finalização de sistematização dos documentos. 

20:00hs - Festa de Xango


ATIVIDADES PERMANENTES

Terreiros Digitais
Durante toda a cúpula, em formato de convivência imersiva, estaremos com atividades de mídia tática, multiplicando conhecimentos sobre as ferramentas usadas para edição e transmissão das informações geradas no próprio evento. Basta procurar outros participantes e perguntar a respeito. O uso da internet através dos programas de chat (skype e IRC), o EtherPad como notação e organizador de evento, wikis e o uso estratégico dos blogs e mídias sociais são alguns dos temas propostos para a dinamização e o empoderamento dos participantes no debate e disseminação da cultura digital através da ancestralidade. 

Rádio Stream Mojubá, Laroie, Exu!
TODOS OS DIAS, transmitindo amplexos radiofônicos emitidos por Terreiros de  todo o Brasil. 
Sempre às 18:00h (rádio) Conexão Oyá TOgun
Candomblé e Direitos Humanos

Espaço Xangô - Direito Sagrado:
Ouvidoria de crimes contra cultura e religião
Espaço de inscrição para eleição dos colegiados setoriais e do Conselho Nacional de Políticas Culturais.

Mostra Audiovisual Zózimo Bulbul
Filmes e vídeos especialmente selecionados circulando pela programação 

sexta-feira, 8 de junho de 2012

OS ÍNDIOS DO SÉCULO XXI


Artigo: Os índios do Século XXI
Por José Ribamar Bessa Freire*
 
"Índio quer tecnologia" - berra O Globo, em chamada de primeira página (25/05). Lá está a foto de um guerreiro Kamayurá, que usa um iPhone para fotografar o terreno da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, onde será construída a aldeia Kari-Oca que vai sediar eventos paralelos da Conferência Rio+20. Ele viajou de barco e de ônibus, durante três dias, com mais vinte índios do Alto Xingu, de quatro nações diferentes. Chegaram na última quinta-feira, para construir a aldeia Kari-Oca.
 
Na aldeia que eles vão construir formada por cinco ocas - uma delas será uma oca eletrônica hight-tech - mais de 400 índios que vivem no Brasil discutirão com índios dos Estados Unidos, Bolívia, Peru, Canadá, Nicarágua e representantes de outros países temas como Código Florestal, demarcação de terras, reservas minerais, crédito de carbono, clima, usinas hidrelétricas, saberes tradicionais, direitos culturais e linguísticos. No final, produzirão um documento que será entregue à ONU no dia 17 de junho.
 
Embora a notícia contenha informações jornalísticas, O Globo insiste em folclorizar a figura do índio. Em pleno século XXI, o jornal estranha que índios usem iPhone, como se isso fosse algo inusitado. Desta forma, congela as culturas indígenas e reforça o preconceito que enfiaram na cabeça da maioria dos brasileiros de que essas culturas não podem mudar e, se mudam, deixam de ser "autênticas".
 
A imagem do índio "autêntico" reforçada pela escola e pela mídia é a do índio nu ou de tanga, no meio da floresta, de arco e flecha, tal como foi visto por Pedro Álvares Cabral e descrito por Pero Vaz de Caminha, em 1.500. Essa imagem ficou congelada por mais de cinco séculos. Qualquer mudança nela provoca estranhamento.
 
Quando o índio não se enquadra nesta representação que dele se faz, surge logo reação como a esboçada pela pecuarista Kátia Abreu, senadora pelo Tocantins (PSD, ex-DEM): "Não são mais índios". Ela, que batizou seus três filhos com os nomes de Irajá, Iratã e Iana, acha que o "índio de verdade" é o "índio de papel", da carta do Caminha, que viveu no passado, e não o "índio de carne e osso" que convive conosco, que está hoje no meio de nós.
 
Na realidade, trata-se de uma manobra interesseira. Destitui-se o índio de sua identidade com o objetivo de liberar as terras indígenas para o agronegócio. Já que a Constituição de 1988 garante aos índios o usufruto de suas terras - que são consideradas juridicamente propriedades da União- a forma de se apoderar delas é justamente negando-se a identidade indígena aos que hoje as ocupam. Se são ex-índios, entã, não têm direito à terra.
 
Criou-se, através dessa manobra, uma nova categoria até então desconhecida pela etnologia: a dos "ex-índios". Uma categoria tão absurda como se os índios tivessem congelado a imagem do português do século XVI, e considerassem o escritor José Saramago ou o jogador Cristiano Ronaldo como "ex-portugueses", porque eles não se vestem da mesma forma que Cabral, não falam e nem escrevem como Caminha.
 
O cotidiano de qualquer cidadão no planeta está marcado por elementos tecnológicos emprestados de outras culturas. A calça jeans ou o paletó e gravata que vestimos não foram inventados por brasileiro. A mesa e a cadeira na qual sentamos são móveis projetados na Mesopotâmia, no século VII a. C., daí passaram pelo Mediterrâneo onde sofreram modificações antes de chegarem a Portugal, que os trouxe para o Brasil.
 
A máquina fotográfica, a impressora, o computador, o telefone, a televisão, a energia elétrica, a água encanada, a construção de prédios com cimento e tijolo, toda a parafernália que faz parte do cotidiano de um jornal brasileiro como O Globo - nada disso tem suas raízes em solo brasileiro. No entanto, a identidade brasileira não é negada por causa disso. Assim, não se concede às culturas indígenas aquilo que se reivindica para si próprio: o direito de transitar por outras culturas e trocar com elas.
 
Foi o escritor mexicano Octávio Paz que escreveu com muita propriedade que "as civilizações não são fortalezas, mas encruzilhadas". Ninguém vive isolado, fechado entre muros. Historicamente, os povos em contato se influenciam mutuamente no campo da arte, da técnica, da ciência, da língua. Tudo aquilo que alguém produz de belo e de inteligente em uma cultura merece ser usufruído em qualquer parte do planeta.
 
Setores da mídia ainda acham que "índio quer apito". Daí o assombro do Globo, com o uso do iPhone pelos Kamayurá, equivalente ao dos americanos e japoneses se anunciassem como algo inusitado o uso que fazemos do computador ou da televisão: "Brasileiro quer tecnologia".
 
O jornal carioca, de circulação nacional, perdeu uma oportunidade singular de entrevistar integrantes do grupo do Alto Xingu, como Araku Aweti, 52 anos, ou Paulo Alrria Kamayurá, 42 anos, sobre as técnicas de construção das ocas. Eles são verdadeiros arquitetos e poderiam demonstrar que "índio tem tecnologia". O antropólogo Darell Posey, que trabalhou com os Kayapó, escreveu:
 
"Se o conhecimento do índio for levado a sério pela ciência moderna e incorporado aos programas de pesquisa e desenvolvimento, os índios serão valorizados pelo que são: povos engenhosos, inteligentes e práticos, que sobreviveram com sucesso por milhares de anos na Amazônia. Essa posição cria uma ‘ponte ideológica’ entre culturas, que poderia permitir a participação dos povos indígenas, com o respeito e a estima que merecem, na construção de um Brasil moderno”.
 
Esses são os índios do século XXI. A mídia olha para eles, mas parece que não os vê.
 
Fonte: Diário do Amazonas
 
* José Ribamar Bessa Freire é professor-coordenador o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UniRio)

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